MANUEL BANDEIRA - BIOGRAFIA

Afonso Henriques de Lima Barreto (Rio de Janeiro, 13 de maio de 1881 - Rio de Janeiro, 1 de Novembro de 1922), melhor conhecido como Lima Barreto, foi um jornalista e um dos mais importantes escritores libertários[1] brasileiros.

Era filho de João Henriques de Lima Barreto (mulato nascido escravo) e de Amália Augusta (filha de escrava agregada da família Pereira Carvalho). O seu pai foi tipógrafo. Aprendeu a profissão no Imperial Instituto Artístico, que imprimia o famoso periódico "A Semana Ilustrada". A sua mãe foi educada com esmero, sendo professora da 1º à 4º séries. Ela morreu cedo e João Henriques trabalhou muito para sustentar os quatro filhos do casal. João Henriques era monarquista, ligado ao Visconde de Ouro Preto, padrinho do futuro escritor. Talvez as lembranças saudosistas do fim do período imperial no Brasil, bem como suas remotas lembranças da Abolição da Escravatura na infância tenham vindo a exercer influência sobre a visão crítica de Lima Barreto sobre o regime republicano.

Lima Barreto, mulato num Brasil que mal acabara de abolir oficialmente a escravatura, teve oportunidade de boa instrução escolar. Após a morte da mãe, passou a freqüentar a escola pública de D. Teresa Pimentel do Amaral. Em seguida, passou a cursar o Liceu Popular Niteroiense, após o seu padrinho, o visconde de Ouro Preto, concordar em custear sua educação. Lá ficará até 1894, completando o curso secundário e parte do suplento. Em 1895, transferiu-se para a única instituição pública de ensino secundário da época, o conceituado Colégio Pedro II, cujos estudantes eram oriundos basicamente da elite econômica. No ano de 1895 foi admitido no curso da Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Porém, foi obrigado a abandoná-lo em 1904 para assumir o sustento dos irmãos, devido à loucura que afligiu o seu pai. Tendo sido repetidamente reprovado por não se interessar muito pelas matérias - passava as tardes na Biblioteca Nacional -, deixou de graduar-se em Mecânica. Data dessa época a sua entrada no Ministério da Guerra como amanuense, por concurso. O cargo, somado às muitas colaborações em diversos órgãos da imprensa escrita, garantia-lhe algum sustento financeiro. Não obstante, o escritor, que só veio a ser reconhecido fundamental para a Literatura Brasileira após seu precoce falecimento, cada vez mais deixava-se consumir pelo alcoolismo e por estados emocionais caracterizados por crises de profunda depressão e morbidez.

Lima Barreto começou a sua colaboração na imprensa desde estudante, em 1902, no A Quinzena Alegre, depois no Tagarela, O Diabo, e na Revista da Época. Em jornais de maior circulação, começou em 1905, escrevendo no Correio da Manhã uma série de reportagens sobre a demolição do Morro do Castelo. Daí em diante, colaborou em vários jornais e revistas, Fon-Fon, Floreal, Gazeta da Tarde, Jornal do Comercio, Correio da Noite, A Noite, (onde publicou em folhetins, Numa e a Ninfa), Careta, A.B.C., um novo A Lanterna (vespertino), Brás Cubas (semanário), Hoje, Revista Souza Cruz e O Mundo Literário.

Em 1911 editou com amigos a revista Floreal, que conseguiu sobreviver apenas até à segunda edição, mas despertou a atenção de alguns poucos críticos. 1909 foi o ano de sua estréia como escritor de ficção, publicando, em Portugal, o romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha. A narrativa de Lima Barreto nesse primeiro livro, pincelada com indisfarçáveis traços autobiográficos, mostra uma contundente crítica à sociedade brasileira, por ele considerada preconceituosa e profundamente hipócrita, até mesmo os bastidores da imprensa opinativa são alvo de sua narrativa mordaz, inspirados na redação do Cartas da Tarde. Em 1914 começou a publicação, em formato de folhetins no Jornal do Dia, de sua mais importante obra, Triste Fim de Policarpo Quaresma, que um ano mais tarde foi editado em brochura e considerado pela crítica especializada como basilar no período do Pré-Modernismo.

Entre os leitores, as duas obras anteriormente citadas alcançaram algum êxito, o que não impediu que o autor sofresse severas críticas de outros escritores da época. Baseavam-se elas no fato de Lima fugir, conscientemente, do padrão empolado de escrever que à época vigorava. Chamavam-no "relaxado" por não usar o português castiço e utilizar uma linguagem mais coloquial, muito própria de quem militava na imprensa. Incomodava também o fato de seus personagens não seguirem o "molde" vigente, que impunha limites à criação e exaltava determinadas características psicológicas. Não à toa viu frustradas suas tentativas de ingressar na Academia Brasileira de Letras. A respeito de seus impiedosos e inimigos críticos, Lima acusava-os de fazerem da literatura não uma arte e sim algo mecânico, uma espécie de "continuação do exame de português jurídico".

Simpático ao Anarquismo, passou a militar na imprensa socialista.

Sua vida foi atribulada pelo alcoolismo e por internações psiquiátricas, ocorridas durante suas crises severas de depressão - à época era um dos sintomas pertencentes ao diagnóstico de "neurastenia", constante de sua ficha médica - vindo a falecer aos 41 anos de idade.

Em 1993, retomando as pesquisas realizadas por Francisco de Assis Barbosa, biógrafo do autor e principal gestor da publicação póstuma de sua obra, Bernardo de Mendonça reuniu no livro Um Longo Sonho do Futuro os seus principais textos confessionais, o Diário Íntimo e o Diário do Hospício, a artigos de jornal e a correspondência ativa, para compor um grande painel autobiográfico deste escritor que na leitura feita por alguns de seus leitores, encarna um dos maiores e inquietantes exemplos, não só do desencontro entre arte e mercado, mas das iniqüidades sociais na história brasileira.

MANUEL BANDEIRA - OBRAS

Obras

* 1905 - O Subterrâneo do Morro do Castelo
* 1909 - Recordações do Escrivão Isaías Caminha
* 1911 - O Homem que Sabia Javanês e outros contos
* 1915 - Triste Fim de Policarpo Quaresma
* 1919 - Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá
* 1920 - Cemitério dos Vivos
* 1920 - Histórias e Sonhos
* 1923 - Os Bruzundangas
* 1948 - Clara dos Anjos (póstumo)
* 1952 - Outras Histórias e Contos Argelinos
* 1953 - Coisas do Reino de Jambom

MANUEL BANDEIRA - BIOGRAFIA

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife, 19 de abril de 1886 - Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968) foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro.

Considera-se que Bandeira faça parte da geração de 22 da literatura moderna brasileira, sendo seu poema Os Sapos o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922. Juntamente com escritores como João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire, Gilberto Freyre e José Condé, representa a produção literária do estado de Pernambuco.

Biografia

Filho do engenheiro Manuel Carneiro de Sousa Bandeira e de sua esposa Francelina Ribeiro, era neto paterno de Antônio Herculano de Sousa Bandeira, advogado, professor da Faculdade de Direito do Recife e deputado geral na 12ª legislatura. Tendo dois tios reconhecidamente importantes, sendo um, João Carneiro de Sousa Bandeira, que foi advogado, professor de Direito e membro da Academia Brasileira de Letras e o outro, Antônio Herculano de Sousa Bandeira Filho, que era o irmão mais velho do engenheiro Sousa Bandeira e foi advogado, procurador da coroa, autor de expressiva obra jurídica e foi também Presidente das Províncias da Paraíba e de Mato Grosso.

Seu avô materno era Antônio José da Costa Ribeiro, advogado e político, deputado geral na 17ª legislatura. Costa Ribeiro era o avô citado em Evocação do Recife. Sua casa na rua da União é referida no poema como "a casa de meu avô". No Rio de Janeiro, para onde viajou com a família, em função da profissão do pai, engenheiro civil do Ministério da Viação, estudou no Colégio Pedro II (Ginásio Nacional, como o chamaram os primeiros republicanos) foi aluno de Silva Ramos, de José Veríssimo e de João Ribeiro, e teve como condiscípulos Álvaro Ferdinando Sousa da Silveira, Antenor Nascentes, Castro Menezes, Lopes da Costa, Artur Moses.

Em 1904 terminou o curso de Humanidades e foi para São Paulo, onde iniciou o curso de arquitetura na Escola Politécnica de São Paulo, que interrompeu por causa da tuberculose. Para se tratar buscou repouso em Campos do Jordão, Campanha e outras localidades de clima mais ameno. Com a ajuda do pai que reuniu todas as economias da família foi para Suíça, onde esteve no Sanatório de Clavadel.

Manuel Bandeira faleceu no dia 13 de outubro de 1968 com hemorragia gástrica aos 82 anos de idade, no Rio de Janeiro, e foi sepultado no mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.

MANUEL BANDEIRA - POESIA, BIOGRAFIA

Poesia de Bandeira

Ele foi um dos poetas nacionais mais admirados, inspirando, até hoje, desde novos escritores a compositores. Aliás, o "ritmo bandeiriano" merece estudos aprofundados de ensaístas. Por vezes inspira escritores não só em razão de sua temática, mas também devido ao estilo sóbrio de escrever.

Manuel Bandeira possui um estilo simples e direto, embora não compartilhe da dureza de poetas como João Cabral de Melo Neto, também pernambucano. Aliás, numa análise entre as obras de Bandeira e João Cabral, vê-se que este, ao contrário daquele, visa a purgar de sua obra o lirismo. Bandeira foi o mais lírico dos poetas. Aborda temáticas cotidianas e universais, às vezes com uma abordagem de "poema-piada", lidando com formas e inspiração que a tradição acadêmica considera vulgares. Mesmo assim, conhecedor da Literatura, utilizou-se, em temas cotidianos, de formas colhidas nas tradições clássicas e medievais. Em sua obra de estréia (e de curtíssima tiragem) estão composições poéticas rígidas, sonetos em rimas ricas e métrica perfeita, na mesma linha onde, em seus textos posteriores, encontramos composições como o rondó e trovas.

É comum encontrar poemas (como o Poética, parte de Libertinagem) que se transformaram em um manifesto da poesia moderna. No entanto, suas origens estão na poesia parnasiana. Foi convidado a participar da Semana de arte moderna de 1922, embora não tenha comparecido, deixou um poema seu (Os Sapos) para ser lido no evento.

Uma certa melancolia, associada a um sentimento de angústia, permeia sua obra, em que procura uma forma de sentir a alegria de viver. Doente dos pulmões, Bandeira sofria de tuberculose e sabia dos riscos que corria diariamente, e a perspectiva de deixar de existir a qualquer momento é uma constante na sua obra.

A imagem de bom homem, terno e em parte amistoso que Bandeira aceitou adotar no final de sua vida tende a produzir enganos: sua poesia, longe de ser uma pequena canção terna de melancolia, está inscrita em um drama que conjuga sua história pessoal e o conflito estilístico vivido pelos poetas de sua época. Cinza das Horas apresenta a grande tese: a mágoa, a melancolia, o ressentimento enquadrados pelo estilo mórbido do simbolismo tardio. Carnaval, que virá logo após, abre com o imprevisível: a evocação báquica e, em alguns momentos, satânica do carnaval, mas termina em plena melancolia. Essa hesitação entre o júbilo e a dor articular-se-á nas mais diversas dimensões figurativas. Se em Ritmo Dissoluto, seu terceiro livro, a felicidade aparece em poemas como "Vou embora para Pasárgada", onde é questão a evocação sonhadora de um país imaginário, o pays de cocagne, onde todo desejo, principalmente erótico, é satisfeito, não se trata senão de um alhures intangível, de um locus amenus espiritual. Em Bandeira, o objeto de anseio restará envolto em névoas e fora do alcance. Lançando mão do tropo português da "saudade", poemas como Pasárgada e tantos outros encontram um símile na nostálgica rememoração bandeiriana da infância, da vida de rua, do mundo cotidiano das provincianas cidades brasileiras do início do século. O inapreensível é também o feminino e o erótico. Dividido entre uma idealidade simpática às uniões diáfanas e platônicas e uma carnalidade voluptuosa, Manuel Bandeira é, em muitos de seus poemas, um poeta da culpa. O prazer não se encontra ali na satisfação do desejo, mas na excitação da algolagnia do abandono e da perda. Em Ritmo Dissoluto, o erotismo, tão mórbido nos dois primeiros livros, torna-se anseio maravilhado de dissolução no elemento líquido marítimo, como é o caso de Na Solidão das Noites Úmidas.

Esse drama silencioso surpreende mesmo em poemas "ternos", quando inesperadamente encontram-se, como é o caso dos poemas jornalísticos de Libertinagem, comentários mordazes e sorrateiros interrompendo a fluência ingênua de relatos líricos, fazendo revelar todo um universo de sentimentos contraditórios. Com Libertinagem, talvez o mais celebrado dos livros de Bandeira, adotam-se formas modernistas, abandona-se a metrificação tradicional e acolhe-se o verso livre. Em grosso, é um livro menos personalista. Se os grandes temas nostálgicos cedem ao avanço modernista, não é somente porque os sufocam o desfile fulminante de imagens quotidianas e os esquetes celebratórios do modernismo, mas também porque é um princípio motor de sua obra o reencenar a luta dos dois momentos sentimentais da alegria e da tristeza. O cotidiano "brasileiro" aparece ali, realçando o júbilo evocatório, com o pitoresco popular que se assimila, por exemplo em Evocação do Recife, ao tom triste e nostálgico; usa-se o diálogo anedótico para brindar fatos tão sórdidos quanto sua própria doença (Pneumotórax); a forma do esquete, favorável à apreensão imediata do objeto, funde-se, em O Cacto, a um lirismo narrativo que se aperfeiçoará em sua poesia posterior. Tanto em Libertinagem como no restante de sua obra, a adoção da linguagem coloquial nem sempre será coroada de êxito. Em certos meios-tons perde-se a distinção entre o coloquial estilizado e o coloquial natural, como em Pensão Familiar, onde os diminutivos são usados abusivamente. Libertinagem dará o tom de toda a poesia subseqüente de Manuel Bandeira. Em Estrela da Manhã, Lira dos Cinquent’anos e outros livros, as experiências da primeira fase darão lugar ao acomodamento do material lírico em formas mais brandas e às vezes mesmo ao retorno a formas tradicionais.

MANUEL BANDEIRA - OBRAS, BIOGRAFIA

Obras
Poesia

* A cinza das horas, 1917
* Carnaval, 1919
* O ritmo dissoluto, 1924
* Libertinagem, 1930
* Estrela da manhã, 1936
* Lira dos cinquent'anos, 1940
* Belo, belo, 1948
* Mafuá do malungo, 1948
* Opus 10, 1952
* Estrela da tarde, 1960
* Estrela da vida inteira, 1966

Prosa

* Crônicas da Província do Brasil - Rio de Janeiro, 1936
* Guia de Ouro Preto, Rio de Janeiro, 1938
* Noções de História das Literaturas - Rio de Janeiro, 1940
* Autoria das Cartas Chilenas - Rio de Janeiro, 1940
* Apresentação da Poesia Brasileira - Rio de Janeiro, 1946
* Literatura Hispano-Americana - Rio de Janeiro, 1949
* Gonçalves Dias, Biografia - Rio de Janeiro, 1952
* Itinerário de Pasárgada - Jornal de Letras, Rio de Janeiro, 1954
* De Poetas e de Poesia - Rio de Janeiro, 1954
* A Flauta de Papel - Rio de Janeiro, 1957
* Itinerário de Pasárgada - Livraria São José - Rio de Janeiro, 1957
* Andorinha, Andorinha - José Olympio - Rio de Janeiro, 1966
* Itinerário de Pasárgada - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1966
* Colóquio Unilateralmente Sentimental - Editora Record - RJ, 1968
* Seleta de Prosa - Nova Fronteira - RJ
* Berimbau e Outros Poemas - Nova Fronteira - RJ

Antologias

* Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica, N. Fronteira, RJ
* Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana - N. Fronteira, RJ
* Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna - Vol. 1, N. Fronteira, RJ
* Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna - Vol. 2, N. Fronteira, RJ
* Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, N. Fronteira, RJ
* Antologia dos Poetas Brasileiros - Poesia Simbolista, N. Fronteira, RJ
* Antologia Poética - Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1961
* Poesia do Brasil - Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1963
* Os Reis Vagabundos e mais 50 crônicas - Editora do Autor, RJ, 1966
* Manuel Bandeira - Poesia Completa e Prosa, Ed. Nova Aguilar, RJ
* Antologia Poética (nova edição), Editora N. Fronteira, 2001

Em co-autoria

* Quadrante 1 - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1962 (com Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga)
* Quadrante 2 - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963 (com Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga)
* Quatro Vozes - Editora Record - Rio de Janeiro, 1998 (com Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz e Cecília Meireles)
* Elenco de Cronistas Modernos - Ed. José Olympio - RJ (com Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga
* O Melhor da Poesia Brasileira 1 - Ed. José Olympio - Rio de Janeiro (com Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto)

Tu Que Me Deste O Teu Cuidado...

Tu Que Me Deste O Teu Cuidado...
Manuel Bandeira

Tu que me deste o teu carinho
E que me deste o teu cuidado,
Acolhe ao peito, como o ninho
Acolhe ao pássaro cansado,
O meu desejo incontentado.

Há longos anos ele arqueja
Em aflitiva escuridão.
Sê compassiva e benfazeja.
Dá-lhe o melhor que ele deseja:
Teu grave e meigo coração.

Sê compassiva. Se algum dia
Te vier do pobre agravo e mágoa,
Atende à sua dor sombria:
Perdoa o mal que desvaria
E traz os olhos rasos de água.

Não te retires ofendida.
Pensa que nesse grito vem
O mal de toda a sua vida:
Ternura inquieta e malferida
Que, antes, não dei nunca a ninguém.

E foi melhor nunca ter dado:
Em te pungido algum espinho,
Cinge-a ao teu peito angustiado.
E sentirás o meu carinho.
E sentirás o meu cuidado.

Versos Escritos n'agua

Versos Escritos n'água
Manuel Bandeira

Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.


Neles porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza...

Quem os ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou.

Volta

Volta
Manuel Bandeira

Enfim te vejo. Enfim no teu
Repousa o meu olhar cansado.
Quando o turvou e escureceu
O pranto amargo que correu
Sem apagar teu vulto amado!

Porém já tudo se perdeu
No olvido imenso do passado:
Pois que és feliz, feliz sou eu.
Enfim te vejo!

Embora morra encontentado,
Bendigo o amor que Deus me deu.
Bendigo-o como um dom sagrado.
Como o só bem que há confortado
Um coração que a dor venceu!
Enfim te vejo!

Ultimo Poema

Último Poema
Manuel Bandeira

Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Tres Idades

Três Idades
Manuel Bandeira

A vez primeira que te vi,
Era eu menino e tu menina.
Sorrias tanto... Havia em ti
Graça de instinto, airosa e fina.
Eras pequena, eras frnazina...

A ver-te, a rir numa gavota,
Meu coração entristeceu
Por que? Relembro, nota a nota,
Essa ária como eterneceu
O meu olhar cheio do teu.

Quando te vi segunda vez,
Já eras moça, e com que encanto
A adolescência em ti se fez!
Flor e botão... Sorrias tanto...
E o teu sorriso foi meu pranto...

Já eras moça... Eu, um menino...
Como contar-te o que passei?
Seguiste alegre o teu destino...
Em pobres versos te chorei
Teu caro nome abençoei.

Vejo-te agora. Oito anos faz,
Oito anos faz que não te via...
Quanta mudança o tempo traz
Em sua atroz monotonia!
Que é do teu riso de alegria?

Foi bem cruel o teu desgosto.
Essa tristeza é que diz...
Ele marcou sobre o teu rosto
A imperecível cicatriz:
És triste até quando sorris...

Porém teu vulto conservou
A mesma graça ingênua e fina...
A desventura te afeiçoou
À tua imagem de menina.
E estás delgada, estás franzina...

Testamento

Testamento
Manuel Bandeira

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

(29 de janeiro de 1943)

Satelite

Satélite
Manuel Bandeira

Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A Lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite.

Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados.
Mas tão-somente
Satélite.

Ah Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as disponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia,
Gosto de ti assim:
Coisa em si,
- Satélite.

Rondo do Capitao

Rondó do Capitão
Manuel Bandeira

Bão balalão,
senhor capitão.
tirai este peso
do meu coração.
não é de tristeza,
não é de aflição:
é só esperança,
senhor capitão!
a leve esperança,
a área esperança...
área, pois não!
peso mais pesado
não existe não.
ah, livrai-me dele,
senhor capitão!

Poetica

Poética
Manuel Bandeira

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e
[manifestações de apreço ao sr. diretor


Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho
[vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com
[cem modelos de cartas e as diferentes
[maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber de lirismo que não é libertação.

Poema Tirado de uma Notícia de Jornal

Poema Tirado de uma Notícia de Jornal
Manuel Bandeira

João gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia
[num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Plenitude

Plenitude
Manuel Bandeira

Vai alto o dia. O sol a pino ofusca e vibra.
O ar é como de forja. A força nova e pura
Da vida embriaga e exalta. E eu sinto. fibra a fibra,
Avassalar-me o ser a vontade da cura.

A energia vital que no ventre profundo
Da Terra estuante ofega e penetra as raízes,
Sobe no caule, faz todo galho fecundo
E estala na amplidão das ramadas felizes,

Entra-me como um vinho acre pelas narinas...
Arde-me na garganta... E nas artérias sinto
O bálsamo aromado e quente das resinas
Que vem na exalação de cada terebinto.

O furor de criação dionisíaco estua
No fundo das rechãs, no flanco das montanhas,
E eu absorvo-o nos sons, na glória da luz crua
E ouço-o ardente bater dentro em minhas entranhas

Tenho êxtase de santo... Ânsias para a virtude...
Canta em minh'alma absorta um mundo de harmonias.
Vêm-me audácias de herói... Sonho o que jamais pude
- Belo como Davi, forte como Golias...

E neste curto instante em que todo me exalto
De tudo o que não sou, gozo tudo o que invejo,
E nunca o sonho humano assim subiu tão alto
Nem flamejou mais bela a chama do desejo.

E tudo isso me vem de vós, Mãe Natureza!
Vós que cicatrizais minha velha ferida...
Vós que me dais o grande exemplo de beleza
E me dais o divino apetite da vida!

Clavadel, 1914

Paisagem Noturna

Paisagem Noturna
Manuel Bandeira

A sombra imensa, a noite infinita enche o vale...
E lá no fundo vem a voz
Humilde e lamentosa
Dos pássaros da treva. Em nós,
- Em noss'alma criminosa,
O pavor se insinua...

Um carneiro bale.
Ouvem-se pios funerais.
Um como grande e doloroso arquejo
Corta a amplidão que a amplidão continua...
E cadentes, metálicos, pontuais,
Os tanoeiros do brejo,
- Os vigias da noite silenciosa,
Malham nos aguaçais.

Pouco a pouco, porém, a muralha de treva
Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça
Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva
A sombria massa
Das serranias.

O plenilúnio vai romper... Já da penumbra
Lentamente reslumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes.
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas deliqüescentes
Mancham para o levante as nuvens langorosas.

Enfim, cheia, serena, pura,
Como uma hóstia de luz erguida no horizonte,
Fazendo levantar a fronte
Dos poetas e das almas amorosas,
Dissipando o temor nas consciências medrosas
E frustrando a emboscada a espiar na noite escura,
- A Lua
Assoma à crista da montanha.
Em sua luz se banha
A solidão cheia de vozes que segredam...


Em voluptuoso espreguiçar de forma nua
As névoas enveredam
No vale. São como alvas, longas charpas
Suspensas no ar ao longe das escarpas.
Lembram os rebanhos de carneiros
Quando,
Fugindo ao sol a pino,
Buscam oitões, adros hospitaleiros
E lá quedam tranqüilos ruminando...
Assim a névoa azul paira sonhando...
As estrelas sorriem de escutar
As baladas atrozes
Dos sapos.
E o luar úmido... fino...
Amávico... tutelar...
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes...

Teresópolis, 1912

Oracao para Aviadores

Oração para Aviadores
Manuel Bandeira

Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
de feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.

Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.

Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
Nossas asas.
A salvo de árvores, casas,
E penedos, nossas asas
Governai.

Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.

Santa Clara, clareai.

O Nome Em Si

O Nome Em Si
Manuel Bandeira

Antônio, filho de João Manuel Gonçalves Dias
e venância mendes ferreira
antônio mendes ferreira gonçalves dias
antônio ferreira gonçalves dias
gonçalves dutra
gonçalves dantas
gonçalves dias
gonçalves gonçalves gonçalves gonçalves
dias dias dias dias dias
dias gonçalves
dias gonçalves
gonçalves, dias & cia
gonçalves, dias & cia
Dr. Antônio gonçalves dias
prof. antônio gonçalves dias
emerenciano gonçalves dias
eremildo gonçalves dias
augusto gonçalves dias
ilmo. e exmo. sr. augusto gonçalves dias
gonsalves dias
dias gonçalves
gonçalves dias

O Amor, A Poesia, As Viagens

O Amor, A Poesia, As Viagens
Manuel Bandeira

Atirei um céu aberto
Na janela do meu bem:
Caí na Lapa - um deserto...
- Pará, capital Belém!

O Anel de Vidro

O Anel de Vidro
Manuel Bandeira

Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, -
Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste

Nova Poetica

Nova Poética
Manuel Bandeira

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito,
Saí um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
É a vida

O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.

Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.

Momento num Cafe

Momento num Café
Manuel Bandeira

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto longo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
Esaudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.

Meninos Carvoeiros

Meninos Carvoeiros
Manuel Bandeira

Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
- Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.

(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe,
dobrando-se com um gemido.)

- Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!

- Eh, carvoero!

Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarrapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos
desamparados!

Libertinagem, O ULTIMO POEMA

Libertinagem, O ULTIMO POEMA

Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos in-
[tencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais
[límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.